
Como anda a relação entre você, a crítica e o Crítico?
- Clínica
- agosto 20, 2024
Não é ótimo termos a satisfação de realizar algo bem feito? Para tanto, identificar o que estamos fazendo bem e em que podemos melhorar é essencial. Imagine receber um feedback positivo de um colega de trabalho sobre seu desempenho em uma apresentação. Isso não só valida seus esforços como também fortalece a confiança em suas habilidades. Da mesma forma, uma crítica construtiva sobre pontos que podem ser aprimorados oferece uma oportunidade de crescimento e aprendizado, incentivando-nos a um aperfeiçoamento constante.
Vários exemplos demonstram o impacto positivo da boa crítica. No mundo do cinema e da literatura, “sucesso de crítica” é um termo usado para obras que são amplamente elogiadas por especialistas qualificados, frequentemente traduzindo-se em sucesso comercial e fama duradoura. Na academia, valorizamos muito o “pensamento crítico”, capaz de analisar fatos e argumentos de maneira eficaz, contribuindo para debates mais saudáveis e decisões mais acertadas.
Por outro lado, a crítica, quando expressa de forma agressiva e sem empatia, pode desmotivar e impedir o crescimento pessoal ao ser percebida como um ataque. Isso é particularmente prejudicial em ambientes de trabalho e relações interpessoais, criando barreiras e reduzindo a eficiência. E quer saber? É muito comum esse tipo de relação disfuncional acontecer entre uma pessoa… e ela mesma! Por isso vou apresentar algumas reflexões a partir do referencial teórico que sigo no meu consultório, a Abordagem Experiencial de Eugene Gendlin.
O Crítico

Foco Brasil – Como anda a relação entre você, a crítica e o Crítico
É bem possível que você já tenha vivido a experiência de um “ataque interior”, de algo depreciativo. É como se fosse uma parte de você que não tem compaixão e nem é muito compreensiva consigo. Sim, estou lhe apresentando um velho conhecido: o seu Crítico. Ele aparece nas mais variadas teorias psicológicas com nomes como “superego”, “crítico interno”, “perfeccionismo autodirigido”. Ele está no seu dia-a-dia, mas talvez seja tão presente que você nem o reconheça direito. É mais ou menos aquela coisa de só notar quão barulhento é o ventilador quando a gente o desliga, sabe?
Estou falando daqueles pensamentos impositivos do tipo “você não serve para isso”, “não vá pagar esse mico!” ou “quem é você para achar que…”. Esse é o Crítico clássico. Soa familiar? Importante é entender que o Crítico varia de pessoa para pessoa em termos do teor, da intensidade e até mesmo do quão violento ele pode vir a ser. Também pode manifestar-se de outras maneiras (além da clássica “voz”), como um bloqueio, um “branco”, um comportamento de procrastinação ou autossabotagem.
Por incrível que pareça, a intenção do Crítico é boa: ele apenas quer proteger você, mesmo quando atua de forma esmagadora. A questão é que ele é movido pelo medo e não confia no processo. Para crescermos temos que nos arriscar, e isso assusta. Muito medo e insegurança se escondem debaixo da agressividade do Crítico, e tal funcionamento defensivo acaba aprisionando a pessoa.
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Desmascarando o Crítico

Foco Brasil – Como anda a relação entre você, a crítica e o Crítico
Sendo assim, é bastante importante reconhecermos quando estamos agindo a partir do Crítico. Ele geralmente tem um tom negativo, parecendo um advogado de acusação. Muitas vezes é meticuloso, impiedoso, até mesmo cruel. Há quem acredite que esse tipo de postura ajuda, mas não é verdade. O desgaste provocado não vale a pena. A energia criativa fica sequestrada em função do medo de errar ou de sofrer e, paradoxalmente, isso gera sofrimento. Muitas oportunidades deixam de ser aproveitadas e, ao transbordar nas relações com os outros, muitas rusgas podem se criar.
Uma vez que aprendemos sobre o Crítico, não é tão difícil identificá-lo. Ele tende a ser tediosamente repetitivo, insistindo sempre nas mesmas verdades absolutas. De forma simplista, frequentemente responde às complexas e intrincadas situações da vida com ataques genéricos e superficiais. Lembre-se de que, quanto maior o medo, maior a potência do megafone do fantasma ou mais eloquente a argumentação do acusador. Assim, pode ser difícil deixar de acreditar nele quando se está debaixo de suas investidas.
Suas mensagens, em geral, são facilmente reconhecíveis a partir de quando você aprende sobre ele, mas também é possível que se manifeste de modos dissimulados. Como bem observa o Gendlin, sintomas físicos (como enxaquecas frequentes, por exemplo) também podem ser uma expressão do Crítico, assim como esquecimentos e atitudes contrárias aos interesses da própria pessoa. O efeito é sempre o mesmo: impedir o movimento em função do medo. Imagine um carro andando com o freio de mão puxado: algo vai começar a quebrar mais cedo ou mais tarde.
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Fazendo as pazes

Foco Brasil – Como anda a relação entre você, a crítica e o Crítico
Contudo, a energia do crítico pode ser muito positiva. Quando bem direcionada, nos leva à melhoria contínua. O Crítico saudável age como um conselheiro, um mestre, um mentor e não como um algoz ou como um guarda truculento. Ele mantém o processo em marcha, mas não desconsidera os riscos, nem nos impulsiona a tomar atitudes irrefletidas. O medo se transforma em cautela sensata, em ponderação e bom senso.
Não existe uma receita mágica para provocar essa transformação, mas acredite, ela é muito possível. Posso afirmar que esse é um dos temas mais recorrentes nas sessões com meus clientes e, ao longo de muitos anos de prática clínica, eu tenho testemunhado como é trabalhoso, porém fundamental, fazer as pazes com o Crítico. Até mesmo nas HQs o Dr. Banner consegue se reconciliar com o Hulk!
É muito compreensível que alguém, cujo Crítico seja muito severo, queira simplesmente extirpá-lo de si, mas isso não é possível. A boa notícia é que também não é necessário. À medida que ressignificamos nossas experiências, aceitamos nossos sentimentos, perdoamos nossos erros, vamos curando nossas dores e fazendo nosso Crítico amadurecer. Tornamo-nos mais tolerantes conosco, com os outros, com a vida e, consequentemente, mais felizes. Esse é um processo tão difícil quanto belo e valioso.