
Naturalizar ideias estereotipadas pode ser perigoso!
Durante a pandemia de COVID-19, meu amigo Prof. Hector Cavieres, minha então orientanda de iniciação científica Laura Baldan e eu colecionamos memes que circularam amplamente em redes sociais e grupos de WhatsApp, tanto no Brasil quanto no Chile; é bem possível que você também os tenha recebido. Então publicamos um estudo que analisou a forma como famílias e casais estavam sendo retratados nessas imagens humorísticas, e constatamos que papéis estereotipados de gênero ficaram mais evidentes.
A mulher era muitas vezes representada como uma carcereira impiedosa, enquanto o marido era retratado como uma vítima passiva ou uma figura que, no máximo, poderia rebelar-se. O grande problema é que essas imagens normalizam situações de agressão, especialmente quando há crianças envolvidas. Assim, perpetuava-se a ideia de que as mulheres seriam vilãs no casamento. Nossas reflexões lançam luz sobre as injustiças enfrentadas por elas, a quem tradicionalmente se atribuem os cuidados domésticos.
Acontece que o distanciamento social adotado durante a pandemia como primeira e mais importante medida para impedir a propagação do vírus teve um efeito reverso terrível, que foi contribuir para o aumento da violência doméstica. Estresse, isolamento e perda de emprego, somados ao fechamento de escolas e instituições que poderiam detectar casos de maus-tratos, são condições que explicam essa triste realidade. Mas tem algo mais grave por trás disso tudo: a banalização da violência, travestida de humor.
Deixa de “mimimi”, é só uma piada…

Figura 2: a vítima se rebela contra o cárcere;
Não. De jeito nenhum. Não é só uma piada. Pense nas repercussões práticas que esse tipo de comunicação pode naturalizar. Se, naquele contexto, os estereótipos de gênero ficaram mais explícitos, atualmente eles se mantêm, infelizmente. Assim, o homem, que normalmente fugiria de casa para atividades como trabalho ou lazer, é forçado a permanecer no lar, submisso ou revoltado. Desta forma, agredir a opressora parece justificável, não é? Não é, nem nunca será.
Lutar por uma liberdade que, por sinal, só seria direito dos homens justificaria agressões à mulher (receptáculo das frustrações masculinas) como se fosse uma defesa legítima. Colocar isso tudo em tom de humor é um ato permissivo em relação à violência – física e/ou psicológica – sem levar a sério suas consequências. Violência disfarçada pode… é só uma piada.
Essa narrativa, além de absurda, é terrivelmente injusta. Lembre-se de que a coleta de memes para o artigo aconteceu em dois países, sendo que o conteúdo desse material era muito similar, apesar dos diferentes idiomas. Participar dos cuidados familiares seria algo estranho à natureza e responsabilidade masculinas. Os homens que compreendem que é seu dever contribuir igualitariamente não estão representados, portanto. Pior que isso é a condição das mulheres, que assumem o enorme ônus de conciliar tais demandas com suas carreiras.
E, no final das contas, é bem o contrário.

Figura 3: a sobrecarga sobre a mulher
Pois é. Como se não bastasse, a conta do tempo investido em atividades profissionais e no trabalho de cuidado é bem desequilibrada entre homens e mulheres. A sobrecarga feminina é amplamente discutida pelos conceitos de “segundo turno” – que considera a dificuldade de equilibrar trabalho e afazeres domésticos – e “terceiro turno” – quando se inclui também a necessidade de formação continuada para manter a competitividade profissional.
A Agenda 2030 da ONU propõe 17 metas para o desenvolvimento sustentável, incluindo a igualdade de gênero e o trabalho decente, com foco na equidade salarial entre homens e mulheres, bem como na divisão de responsabilidades no lar. Você sabia que, segundo a própria ONU, apesar de possuírem melhor formação educacional, as mulheres ganham em média 20% menos que os homens no mundo todo?! O fenômeno conhecido como “teto de vidro” perpetua a desigualdade salarial e de oportunidades. Trata-se de uma barreira invisível ao avanço profissional feminino, em grande parte relacionada à maternidade e aos cuidados parentais.
Vamos tomar cuidado com o que passamos adiante. Em lugar de encaminhar memes que carregam estereótipos, preconceitos e discriminação, compartilhe este texto, se fez sentido a você. Leia o artigo na íntegra em https://pssaucdb.emnuvens.com.br/pssa/article/view/1542.